sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Síndrome Antifosfolipídica (SAF)


O que é?

           A Síndrome Antifosfolipídica (SAF) é uma desordem trombótica caracterizada pela associação de trombose arterial ou venosa com anticorpos dirigidos contra os fosfolipídios. Suas principais manifestações são: acidente vascular cerebral, livedo reticular, trombocitopenia, coréia e abortamento de repetição. A gravidade destas manifestações depende do local acometido e da extensão da trombose.
          A SAF pode ser primária e desenvolver-se independente de uma causa de base ou secundária quando está associada a uma doença auto-imune, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). A SAF primária só foi descrita posteriormente, mas é encontrada tão freqüentemente quanto à secundária. É sabido que os pacientes com SAF primária após longo tempo de evolução têm um pior prognóstico.
          Nas últimas décadas, alguns pacientes com SAF, incluindo crianças, vêm apresentando um quadro clínico com progressão devastadora que é conhecida como Manifestação Catastrófica. Ela é refratária ao tratamento convencional, sendo caracterizada por oclusões vasculares simultâneas, que evoluem rapidamente para Falência de Múltiplos Órgãos (FMO) e, resultam em óbito numa grande porcentagem dos casos.

 Diagnóstico

                 O diagnóstico de Síndrome Antifosfolípide (SAF) é realizado com a presença de critérios clínicos e laboratoriais, baseado na tabela abaixo (pacientes devem ter pelo menos 1 critério clínico e 1 laboratorial):

                   Critérios clínicos e laboratoriais para o diagnóstico de Síndrome Antifosfolípide



                Os quadros ginecológicos e obstétricos que fazem parte dos critérios clínicos são:
1) 1 ou mais mortes fetais sem causa aparentes após 10 semanas de gestação, com morfologia fetal normal ao ultra-som ou macroscopicamente;
2) 1 ou mais partos prematuros antes de 34 semanas gestacionais em decorrência a pré-eclampsia grave ou insuficiência placentária;
3) 3 ou mais abortos espontâneos consecutivos antes de 10 semanas de gestação, com outras causas descartadas.
                 Além de aborto recorrente, óbito fetal e pré-eclampsia grave, a SAF parece estar relacionada com outras patologias como trombose no período gestacional, insuficiência placentária, sofrimento fetal e parto prematuro iatrogênico. A prevalência de AcAF é bastante variável entre diversos tipos populacionais. Veja a seguir um resumo das prevalências de AcAF em algumas populações:

                                                Prevalência de AcAF em diferentes grupos:



              A incidência de SAF em pacientes com aborto de repetição pode ser de até 41,2% (no momento da terceira perda gestacional) e acredita-se que a cada nova perda ocorre uma elevação de 15% nessa incidência. Fosfolípides são moléculas que fazem parte da composição da membrana celular e de mecanismos de transmissão de sinais celulares, que regulam a divisão e secreção celular. Fosfolípides como fosfatidilserina e fosfatidiletenolamina parecem estar envolvidos no mecanismo de fusão celular. Fosfatidilinositol participa do processo de proliferação de células amnióticas. Tais fosfolípides estão envolvidos na adesão de células do citotrofoblasto e sinciciotrofoblasto. Existem vários tipos de moléculas fosfolipídicas, anticorposd se relacionam com insucessos gestacionais. Os anticorpos mais estudados são: anticardiolipina, anticoagulante lúpico, antifosfatidilserina, anti ácido fosfatídico, antifosfatidilinositol, antifosfatidilcolina e antifosfatidiletanolamina.



             O mecanismo pelo qual pacientes com SAF apresentam uma maior tendência à coagulação sanguínea, estado hipercoagulável, ainda não está totalmente descrito. Existem várias teorias:
1) Alteração no balanço ecosanóide.
2) Efeito sobre agentes anticoagulantes.
3) Efeitos sobre células endoteliais e plaquetas.
4) Efeito sobre Anexina V.
5) Ativação monocitária.
6) Alteração placentária.
              Recentes estudos procuram correlacionar AcAF com infertilidade e falhas repetidas de fertilização in vitro (FIV). Tal disfunção imunológica estaria envolvida na diminuição da fertilidade, no pobre desenvolvimento embrionário e na falha do desenvolvimento placentário.

Tratamento

              O tratamento ideal da Manifestação Catastrófica da SAF não está estabelecido, e a anticoagulação plena permanece a recomendação habitual apesar dos resultados insatisfatórios. A heparina intravenosa é administrada geralmente por 7-10 dias, seguida pela administração da varfarina por toda vida, objetivando o INR > 3.
              É importante ressaltar que a terapia anticoagulante apresenta diferenças para os pacientes pediátricos, devido a características fisiológicas próprias e diferença na resposta aos anticoagulantes. As informações limitadas fazem com que a maioria das recomendações para crianças seja extrapolada dos resultados de estudos em adultos. A heparina, por exemplo, é metabolizada mais rapidamente quando comparada aos adultos e, portanto, as crianças apresentam um retardo em atingir os níveis terapêuticos, proporcionando maiores índices de trombose recorrente e síndrome pós-flebítica.
Diferenças à parte, foi notado um efeito benéfico na associação de anticoagulação com métodos que visam reduzir os níveis de aAF , tais como os corticoesteróides, a administração endovenosa de gamaglobulinas, a plasmaférese e a ciclofosfamida. A finalidade principal do tratamento seria diminuir a resposta inflamatória maciça, que está descrita na Manifestação Catastrófica da SAF como a liberação excessiva de citocinas.
             Assim, a terapia com corticoesteróides é necessária para controlar a “tempestade inflamatória”, uma vez que esta explicaria a fisiopatologia da Manifestação Catastrófica da SAF. Os corticosteróides inibem o efeito excessivo das citocinas através da supressão da resposta imune humoral e celular. O tratamento com corticosteróide também é indicado para tratar as manifestações da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) quase sempre presente nestes casos.  Geralmente, o pulso de metilprednisolona intravenoso (1.000 mg/dia) é administrado por 3-5 dias, seguido por doses elevadas desta droga (1-2 mg/kg/dia). A partir daí, a dosagem deve ser ajustada de acordo com a resposta terapêutica.
            Já se sabe que a imunoglobulina intravenosa bloqueia o anticorpo que liga aos receptores dos macrófagos, aumenta a supressão de células T, possivelmente diminui a síntese dos anticorpos, e aumenta o catabolismo de IgG circulante, sendo particularmente útil na presença de trombocitopenia. Embora o mecanismo exato seja obscuro, a plasmaférese pode remover a fração IgG do aCL e os anticorpos Anti-ß2GPI, assim como as citocinas, o fator de necrose tumoral e o complemento. Por outro lado, a sua associação com o Plasma Fresco Congelado (PFC) que contém os fatores naturais da coagulação, principalmente a antitrombina III e a proteína C, pode ser benéfica.
            Outras terapias foram descritas, incluindo a utilização de fibrinolíticos e outras drogas antitrombóticas, tais como o defibrotide, e o uso da prostaciclina. Mas as evidências que existem neste sentido ainda são limitadas. Como a prostaciclina apresenta um importante efeito colateral que é o aumento do risco de tromboembolismo, seu uso não é mais recomendado como terapia padrão.
Então, sempre que houver suspeita de Manifestação Catastrófica da SAF, o tratamento agressivo deve ser iniciado sem demora. A Primeira linha de Terapia compreende os anticoagulantes e os corticoesteróides. A Segunda Linha deve ser iniciada na ausência de uma resposta clínica ou na presença de trombose em evolução, apesar do tratamento primário. Nos casos mais críticos com deterioração progressiva do quadro clínico, uma Terceira Linha deve ser considerada, apesar da experiência limitada e dos resultados desconhecidos nesta faixa de tratamento.
             Os antibióticos devem ser administrados o mais cedo possível nos casos de infecções. Entretanto, os benefícios do uso profilático dos antibióticos nos pacientes com Manifestação Catastrófica da SAF sem uma infecção aparente ou comprovada devem ser pesados com muito cuidado.
              Além disso, a internação em Unidade de Terapia Intensiva, a hemodiálise precoce para os casos de insuficiência renal, a ventilação mecânica na SIRS, e as drogas inotrópicas para o choque cardiogênico são medidas gerais igualmente importantes. Nos casos de tecidos ou órgãos necróticos, o debridamento cirúrgico ou mesmo a amputação devem ser realizados, pois podem melhorar significativamente o prognóstico.
             O diagnóstico precoce e as terapias agressivas são essenciais para impedir que o paciente sucumba a esta condição potencialmente fatal. Estas são as duas únicas estratégias mais importantes na sobrevida dos pacientes. Mas é certo que, apesar de todos os esforços, o prognóstico da doença permanece sombrio. Idade avançada, número elevado de órgãos envolvidos e trombocitopenia foram associados com maior mortalidade. Em contrapartida, os melhores resultados foram obtidos com a combinação de anticoagulação, corticosteróide, e imunoglobulina intravenosa ou plasmaférese.

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