A hepatite autoimune (HAI) é uma doença causada por um distúrbio do sistema imunológico, que passa a reconhecer as células do fígado (principalmente hepatócitos) como estranhas. A partir daí o sistema imune desencadeia uma inflamação crônica, com destruição progressiva do fígado e a formação de cicatrizes (fibrose). Sem o tratamento adequado em tempo, isso pode levar a progressão para cirrose com suas complicações, como varizes de esôfago, ascite e encefalopatia hepática. Cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária, colangite autoimune e outras hepatopatias crônicas que têm bases imunológicas, mas que afetam primariamente as células dos canais biliares e têm resposta insatisfatória à corticoterapia são consideradas à parte.
É uma doença relativamente rara, acometendo cerca de entre 11 e 17 pessoas a cada 100.000. É mais comum em mulheres (3,6 para cada homem) e pode se manifestar em qualquer grupo étnico e faixa etária. A apresentação (surgimento dos sintomas) é geralmente inespecífica, com fadiga, icterícia, náusea, dor abdominal e dores articulares, mas os quadro clínico inicial pode variar desde o paciente completamente assintomático (35-45% dos pacientes) até a falência hepática com encefalopatia. A presença ou ausência dos sintomas, no entanto, não significa necessariamente diferença no estágio da doença - o grau de inflamação do fígado e a presença ou não de cirrose independe da existência de sintomas, que surgirão eventualmente em 70% dos inicialmente assintomáticos.
Antes do surgimento da corticoterapia (supressão do sistema imunológico com hormônio), estimava-se que 40% dos pacientes com doença severa faleciam em 6 meses, e os que sobreviviam além disso desenvolviam cirrose e suas complicações. Estudos posteriores demonstraram grande eficácia do tratamento com prednisona (corticosteróide) sozinha ou associada a azatioprina (outro imunossupressor), que se tornou o tratamento padrão para a doença. Novas drogas vêm surgindo como opções em pacientes que apresentam efeitos colaterais ou que não responderam ao tratamento anterior, permitindo o controle ainda melhor de casos anteriormente difíceis.
Fisiopatogenia (mecanismos pelos quais a doença se estabelece)
Aceita-se que a HAI ocorra pela seguinte seqüência (simplificada):
- anticorpos são substâncias produzidas pelo sistema imunológico para destruir vírus, bactérias e outros agentes nocivos;
- para produzir anticorpos, o sistema imune precisa reconhecer esse agente nocivo como estranho ao organismo;
- praticamente todas as substâncias têm moléculas em sua superfície que podem ser analisadas pelas nossas células do nosso sistema imune - essas moléculas são chamadas antígenos;
- ao encontrar um antígeno, nosso sistema têm a capacidade de diferenciar o que é nosso e normal do que é estranho e deve ser eliminado;
- algumas pessoas são portadoras de mutações que tornam o sistema imunológico menos preciso para diferenciar o que é ou não parte do organismo e/ou menos capaz de controlar o processo de ativação imunológica errônea;
- nas doenças autoimunes, nosso sistema imunológico reconhece como antígenos (auto-antígenos) componentes de alguma de nossas células normais (no caso da HAI, componentes dos hepatócitos);
- esse erro pode ser desencadeado por uma bactéria, substância tóxica ou vírus que têm, em sua superfície, um antígeno muito semelhante a algum componente de nossas células (o que acaba "confundindo" o sistema imunológico) - chamamos esses agentes de gatilhos;
- após esse erro, o organismo desencadeia uma resposta inflamatória com envolvimento predominante das células chamadas linfócitos T, que passam a produzir anticorpos (auto-anticorpos) contra células específicas, levando a uma doença auto-imune;
- por isso, geralmente o tratamento é baseado em suprimir o sistema imunológico, não tratando a causa da doença, uma vez que não temos ainda como alterar esse erro.
A herança genética relacionada à HAI é, no entanto, complexa e envolve múltiplos genes. Como o risco de transmissão para a geração seguinte é muito pequeno, não se recomenda o rastreamento de marcadores genéticos em pacientes e familiares. Uma exceção é a doença genética chamada síndrome APECED (poliendocrinopatia autoimune - candidíase - distrofia ectodérmica), causada por uma mutação do gene AIRE (regulador autoimune).
Sintomas
De modo semelhante a outras hepatites pode-se não apresentar sintomas ou iniciar com sintomas gerais, tais como:
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Ainda que inicialmente leves, esses sintomas podem se intensificar e, em cerca de 25% dos casos, serem acompanhados de
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São raros os casos sem sintomas e descobertos em exames de rotina, assim como aqueles de forma fulminante com evolução rápida para o coma hepático.
Excesso de pelos, espinhas e alterações menstruais são comuns em mulheres jovens. Até metade dos pacientes tem outras doenças concomitantes como diabetes, doenças da tireóide, artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico.
Diagnóstico
Não há um exame que confirme exatamente o diagnóstico. A partir de suspeita pelas queixas do paciente e pelo exame clínico, o médico solicita exames de sangue que visam excluir outras causas mais comuns de hepatite, como, por exemplo, as causadas por vírus.
Dentre os exames geralmente solicitados e que colaboram com o diagnóstico estão as transaminases, fosfatase alcalina, gamaglutamiltranspeptidase, proteinograma, fator antinuclear, anticorpos anti-músculo liso, anticorpos anti-rim-fígado.
Ecografia e biópsia hepática (retirada com agulha de um pequeno fragmento do fígado) são frequentemente necessários para auxílio diagnóstico e avaliação da gravidade da doença. A biópsia pode ser também necessária para avaliar a resposta ao tratamento, após alguns meses ou anos.
Tratamento
A maioria dos casos de hepatite autoimune é tratada com corticóides (assemelhados da cortisona) associados ou não a outros medicamentos, como a azatioprina.
A prednisona, sozinha ou em associação com a azatioprina, produz remissão (normalização) clínica, bioquímica e histológica em 65% dos portadores de hepatite autoimune severa dentro de 2 anos. A expectativa de vida após tratamento em 10 e 20 anos são acima de 80% e é igual à da população da mesma região, idade e sexo. Portadores de doença com o mesmo grau de agressividade, se não tratados, têm uma mortalidade de 50% em 3 anos e 90% em 10 anos.
O risco-benefício da corticoterapia (uso de corticosteróides, como a prednisona) em portadores de doença mais leve não é tão clara. A cirrose se desenvolve em 49% em 15 anos e a mortalidade em 10 anos é de 10%. Com essa evolução mais lenta, o custo-benefício do tratamento deve ser bem avaliado. Mudanças cosméticas (espinhas, aumento de peso) ocorrem em 80% dos pacientes em 1 ano de tratamento. O risco de câncer (fora do fígado) com a corticoterapia é 1,4 vezes o normal.
Transplante hepático
Perspectivas futuras
A HAI é responsável por 2% a 3% dos transplantes hepáticos em crianças e 4% a 6% em adultos nos EUA e Europa. As indicações para transplante são o início dos sintomas já com insuficiência hepática, cirrose com MELD ≥ 15 e presença de hepatocarcinoma dentro dos critérios para transplante. O transplante na HAI tem boas taxas de sucesso, com sobrevida em 5 e 10 anos de aproximadamente 75%.
Como a causa da HAI está no sistema imunológico, não no fígado, existe a possibilidade de recidiva da doença no fígado transplantado, o que ocorre em cerca de 30% dos pacientes adultos e crianças em uma média de 4,6 anos. O diagnóstico é feito pelos achados histológicos, aumento de transaminases e gamaglobulinas, persistência dos autoanticorpos e a exclusão de outras causas. Geralmente o aumento da dose dos imunossupressores utilizados no pós transplante (prednisona e tacrolimus ou ciclosporina), a substituição dos mesmos, a reintrodução da azatioprina ou a introdução de mofetil micofenolato permitem a remissão da doença.
À medida em que a nossa compreensão dos mecanismos da doença progride, descobrimos novos pontos no processo de fisiopatogenia (mecanismo da doença) da HAI onde seria possível interromper o seu curso, ou curá-la completamente, sem a necessidade de medicamentos para inibir todo o sistema imunológico, com todas as suas complicações. Atualmente, os tratamentos mais promissores nesse sentido são o transplante de células tronco autólogas e mesenquimais, transferência adotiva de células T regulatórias, manipulação de citocinas, supressão de genes, bloqueio de autoantígenos, imunossupressores recombinantes, esquemas orais de tolerância e vacinação de células T. Nenhum desses tratamentos está, no momento, em fases de uso clínico - somente após estudos bem conduzidos saberemos se são seguros e eficazes para uso na HAI. Só então novos estudos poderão determinar em que situações substituirão o tratamento atual.
Oi Diana ,infelizmente assim como você eu tenho uma condição auto imune muito peculiar, sou diagnosticada no momento por inúmeras doenças ; Diabetes Mellitus , doença de Rashimoto , vitiligo , Insuficiência Adrenal , síndrome de jogren ,síndrome de meniere , doença celiaca , gastrite atrofica , paniculite autoimune , lipodistrofia , esclerodermia ,dupuitreen ,síndrome do túnel do carpo , fibromialgia ,epilepsia ,e a hipótese diagnóstica de LES ,e esclerose sistêmica . e como a grande maioria não encontro informações e nem mesmo o interesse nem mesmo dos médicos e profissionais de saúde em esclarecer , proporcionar qualidade de vida e sanar as aflições dos clientes diagnosticados com mais de uma doença autoimune ,tudo é muito vago e sugestivo e quase impossível que não leve a uma situação de frustração e depressão .
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