sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Febre Familiar do Mediterrâneo - FFM

O que é?

            A febre familiar do Mediterrâneo (FFM) consiste em uma rara doença genética autossômica recessiva, que se caracteriza por surtos recorrentes de febre, juntamente com dores abdominais e/ou torácicas e/ou dores e edemaciação das articulações.
            Esta patologia acomete em especial indivíduos originários do Mediterrâneo e Oriente Médio, como judeus (em especial os Sefarditas), árabes, turcos, armênios, libaneses, gregos e italianos, embora existam relatos de casos em indivíduos provenientes de outros lugares.
            Pesquisas evidenciaram que a FFM é resultante de um defeito genético no cromossomo 16. O gene MEFV carrega o código genético para uma molécula conhecida como pyrin, que se relaciona na regulação o processo de inflamação. Até o momento, já foram identificadas mais de 50 mutações distintas nesse gene. Apesar de ainda não ser conhecido o mecanismo pelo qual esta mutação leva à FFM, existe a hipótese de que os indivíduos portadores desta patologia não sintetizam a proteína pyrin e, portanto, respostas inflamatórias não são reguladas.
           Nas populações de alto risco, a frequência é de uma em três para cada 1000 pessoas. No entanto, é rara em outras partes do mundo. Recentemente, depois da descoberta do gene afetado que causa a doença, tem sido diagnosticada mais frequentemente em populações nas quais a doença era considerada rara, tais como os Italianos, Gregos e Americanos.
           Em 90% dos pacientes, as crises da Febre Familiar do Mediterrâneo começam antes dos 20 anos. E em mais de metade dos casos a doença aparece na primeira década da vida.. Os meninos são ligeiramente mais afetados do que as meninas (13:10).

As Causas da FFM

           A Febre Familiar do Mediterrâneo é uma doença genética. O gene responsável chama-se MEFV, onde é codificada uma proteína responsável pela regulação, com diminuição da inflamação. Se este gene sofrer uma mutação, como acontece na FMF, a regulação não é feita normalmente e os pacientes começam com as crises de febre. As investigações continuam, visando a pesquisa de novos genes que possam estar envolvidos na doença e possibilitar novos tratamentos.
           É uma doença hereditária, autossômica recessiva (não tem a ver com os genes que determinam o sexo). Este tipo de transmissão significa que para existir Febre Familiar do Mediterrâneo são necessárias 2 mutações iguais, uma do pai e outra da mãe ou seja ambos os pais devem ser portadores (o portador tem apenas a mutação, mas não a doença). Na família estendida, a doença pode ser detectada num primo, num tio ou num parente afastado. No entanto, como se observa numa pequena proporção de casos, se um dos pais tem a FMF e o outro é portador, há 50% de chance de uma em duas crianças vir a ter a doença.

Principais Sintomas

           Os principais sintomas da doença são a febre recorrente, acompanhada de dores abdominais, no tórax ou nas articulações. As crises abdominais são os mais comuns, vistos em cerca de 90% dos pacientes. Ataques com dores no tórax ocorrem entre 20-40%, e dores nas articulações em 50-60% dos pacientes.
           Comumente as crianças queixam-se da crise típica, com dores abdominais e febre. Mas, alguns pacientes experimentam vários tipos de crises, algumas vezes uma combinação de dores abdominais com dores no tórax ou dores no tórax com articulações inflamadas.
           Estas crises são auto-limitadas e têm a duração de 1 a 4 dias. O paciente recupera totalmente no fim de uma crise e está absolutamente normal entre estas. Algumas destas crises podem ser tão dolorosas necessitando de ajuda médica. Especialmente, as crises abdominais graves podem ser confundidas com crises de apendicite aguda e alguns pacientes são submetidos desnecessariamente a uma cirurgia (tipo apendicite). No entanto, algumas das crises mais leves, no mesmo paciente, podem ser confundidas com problemas abdominais. Esta é uma das razões pelas quais é difícil identificar estes pacientes. Durante as dores abdominais a criança tem prisão de ventre, mas assim que a dor melhora, num curto espaço de tempo aparecem fezes moles .
           A criança pode ter uma febre muito elevada, durante uma crise, ou uma elevação lenta de temperatura.
           As dores no tórax são geralmente unilaterais. Podem ser tão graves que o paciente não consiga respirar profundamente. Fica resolvido em alguns dias sem deixar sequelas. Normalmente apenas uma articulação é afetada durante a crise (monoartrite). O mais frequente é serem afetados ou quadris ou o joelhos. A articulação pode estar tão inchada e dolorosa impedindo a criança andar. Mais ou menos um terço destes pacientes apresenta um rash eritematoso (erupção cutânea) sobre a articulação envolvida.
           As crises nas articulações podem durar mais tempo do que os outros tipos de crises. Pode levar de 4 dias a 2 semanas para resolver completamente. Em algumas crianças, os únicos dados da doença podem ser as dores e inchaço da articulação recorrentes, o que pode ser confundido com o diagnóstico da febre reumática ou artrite idiopática juvenil.
          Em cerca de 5-10% destes casos, o envolvimento articular pode tornar-se crônico e causar danos irreversíveis .
          Há uma erupção da pele característica na FMF, chamada eritema tipo erisipela, normalmente observada sobre as extremidades inferiores e articulações. Algumas crianças podem queixar-se de dores nas pernas, o que pode incomodar.
          Entre as formas mais raras de crises, estão as pericardites recorrentes (inflamação do pericárdio– a membrana que envolve o coração), miosites (inflamação muscular), meningites e orquite (inflamação testicular).
          Há outras doenças caracterizadas por inflamações vasos sanguíneos (vasculites), que são mais frequentes nas crianças com FMF, como a Purpura de Henoch-Shöenlein e a Poliarterite Nodosa.
          A complicação mais importante da FMF, nos casos não tratados, é o desenvolvimento da amiloidose (o nome que se dá à deposição de proteína amilóide em órgãos internos).
         A amilóide é uma proteína especial que se deposita em certos órgãos como os rins, intestinos, pele, coração e causa perda gradual da função, especialmente nos rins.
         Esta complicação não é especifica na FMF, ela pode surgir em outras doenças crônicas, tais como artrite reumatóide em adultos , a artrite idiopática juvenil ou a tuberculose.
         Pesquisar a proteína amilóide por meio de biópsia, nos intestinos ou nos rins, poderá ser a chave do diagnóstico.
         Crianças que estejam em tratamento com a dose apropriada de colchicina (ver tratamento), estão isentas do risco de desenvolverem esta complicação que pode ser fatal.




Diagnóstico
 
 
            Não existe nenhum exame que seja específico para diagnosticar a FMF. Geralmente avaliam-se as seguintes etapas:
  • Suspeita clínica: pode-se considerar que a criança tem Febre Familiar do Mediterrâneo, depois de ter tido no mínimo 3 crises. Deve-se ter em conta uma história detalhada sobre a origem dos seus antepassados, bem como, saber se há familiares com queixas parecidas ou insuficiência renal . Os pais devem também ser interrogados detalhadamente sobre os ataques anteriores da criança.
  • Observação: a criança com suspeita de ter FMF deve ser seguida de perto, regularmente, antes de ser feito o diagnóstico definitivo. Neste período de observação, o paciente deve ser visto durante uma crise, para uma observação física detalhada e fazer alguns exames de sangue para detectar a presença de inflamação. Normalmente estes testes são positivos durante uma crise, mas depois voltam aos valores normais ou quase normais depois da crise. Existem critérios de classificação para ajudar a reconhecer a FMF, os quais podem ser usados nesta etapa de investigação diagnóstica. Nem sempre é possível examinar uma criança durante uma crise por diversas razões. Pede-se então aos pais para escrever num diário a descrição do que se passa durante estes surtos. Eles podem também ir a um laboratório local para fazer os exames de sangue indicados.
  • Resposta ao tratamento com a colchicina: A crianças que já tenham testes clínicos e laboratoriais que levem a uma grande probabilidade de terem um diagnóstico positivo de Febre Familiar do Mediterrâneo, a colchicina é prescrita durante aproximadamente 6 meses para avaliar a resposta a este medicamento. Se o paciente tem FMF, a resposta esperada é que não tenha mais crises, ou o número, a gravidade ou a duração das crises, diminui significativamente. Apenas depois de estarem concluídas todas estas etapas é que se aceita o diagnóstico definitivo de FMF, indicando-se assim o uso contínuo e definitivo da colchicina. Porque a Febre Familiar do Mediterrâneo afeta diferentes sistemas do organismo, são necessários vários especialistas para fazer o diagnóstico e acompanhamento da FMF. Normalmente são pediatras, reumatologistas que acompanham crianças com reumatismo, nefrologistas (especialistas em rins) e gastroenterologistas.
  • Exames genéticos: Nos últimos anos, os exames genéticos têm sido realizados para detectar a mutação a qual acredita-se ser a responsável pelo desenvolvimento da Febre Familiar do Mediterrâneo. O diagnóstico clínico da FMF é confirmado se o paciente apresentar os 2 genes com mutações, cada um proveniente de um dos seus pais. No entanto, estas mutações têm sido encontradas entre 70-80% dos pacientes com FMF, o que significa que existem paciente com esta doença que não têm tais mutações.
          Por esta razão, o diagnóstico da Febre Familiar do Mediterrâneo ainda depende do julgamento e da observação clínica.
          Os testes genéticos ainda não estão facilmente disponíveis em todos os países. Considerando que febre e dores abdominais são queixas comuns na infância, por conseguinte não é fácil diagnosticar a FMF, mesmo nas populações de alto risco. São necessários alguns anos para ser suspeitada e reconhecida a doença.
          Temos que ter em mente que o atraso no diagnóstico aumenta o risco de amiloidose em pacientes não tratados.
          Existem outras doenças que têm em comum os surtos recorrentes de febre e dores abdominais e articulares. A maioria destas doenças são também genéticas. Algumas delas são: HIDS, TRAPS, PFAPA, Síndrome de Behçet, doença de Muckle-Wells, e CINCA que compartilham algumas características clínicas comuns com a Febre Familiar do Mediterrâneo, no entanto cada uma destas doenças possuem características clínicas e laboratoriais específicas, que as destinguem umas das outras, sendo reconhecidas pelos especialistas.

Tratamento

         O tratamento da FMF é simples, barato e sem grandes efeitos secundários. Atualmente a Colchicina é o único medicamento usado no tratamento da FMF. Após ser efetuado o diagnóstico, a criança é medicada com a colchicina para o resto da sua vida. Se for tomado segundo a prescrição médica, sem haver alterações, as crises podem desaparecer em 60% dos pacientes. Uma resposta parcial é conseguida em 30% dos pacientes, e ineficaz entre 5-10% dos pacientes.
         O tratamento não visa apenas controlar as crises, mas eliminar o risco da amiloidose. Portanto, é crucial que os médicos expliquem aos pais e à criança, tantas vezes quantas forem necessárias, como é importante que a colchicina seja tomada todos os dias seguindo a prescrição dada pelo médico. A concordância entre ambas as partes é fundamental, e a partir daqui a criança pode levar uma vida normal , bem como ter uma expectativa de vida também normal.
         As doses de colchicina prescritas , não devem ser alteradas pelos pais sem consultarem previamente o médico.
        As doses de colchicina não devem ser aumentadas durante uma crise, já que esse acréscimo é ineficaz. O mais importante é prevenir o aparecimento das crises.
Não existem interações relevantes de outros medicamentos com a colchicina .
        Existem alguns estudos feitos com tratamentos alternativos à colchicina tais como Interferon-gama, tratamentos anti-TNF (com agentes biológicos) e talidomida. No entanto, não há dados suficientes que provem que estas alternativas sejam seguras e eficazes.

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