domingo, 30 de setembro de 2012

Espondilite Anquilosante

O que é?

         Espondilite anquilosante é uma doença inflamatória crônica, incurável por enquanto, que afeta as articulações do esqueleto axial, especialmente as da coluna, quadris, joelhos e ombros.
        Nos quadros mais graves, podem ocorrer lesões nos olhos (uveíte), coração (doença cardíaca espondilítica), pulmões (fibrose pulmonar), intestinos (colite ulcerativa) e pele (psoríase).
        Não se conhece a causa da doença, que acomete mais os homens do que as mulheres, a partir do final da adolescência até os 40 anos. Não tratada, pode tornar-se incapacitante.
       O diagnóstico leva em conta os sinais e sintomas, os resultados de exames laboratoriais de sangue e os achados radiográficos nas articulações da região sacroilíaca. O diagnóstico precoce é de extrema importância para evitar a progressão da doença e suas complicações.

Sintomas

       A espondilite anquilosante caracteriza-se pelo surgimento de dores na coluna de modo lento ou insidioso durante algumas semanas, associadas à rigidez matinal da coluna e diminui de intensidade durante o dia. A dor persiste por mais de três meses, melhora com exercícios e piora com repouso.
       No início, a espondilite anquilosante costuma causar dor nas nádegas, possivelmente se espalhando pela parte de trás das coxas e pela parte inferior da coluna. Essa dor tem origem nas articulações sacroilíacas. Alguns pacientes se sentem doentes de uma forma geral - sentem-se cansados, perdem apetite e peso e podem ter anemia.
       A inflamação das articulações entre as costelas e a coluna vertebral pode causar dor no peito, que piora com a respiração profunda, sentida ao redor das costelas, podendo ocorrer diminuição da expansibilidade do tórax durante a respiração profunda.
       Os indivíduos que apresentam limitações significativas da expansibilidade do tórax, não devem de forma alguma fumar, pois seus pulmões, que já não se expandem normalmente, estariam ainda mais susceptíveis a infecções.
       Com o passar do tempo, após a fase ativa da doença, na qual as juntas estão inflamadas, a doença se torna bem menos ativa ou menos totalmente inativa. Os ossos das vértebras da coluna crescem, formando pontes entre as vértebras, às vezes envolvendo completamente as juntas, impedindo assim que ela se mova, causando a rigidez denominada anquilose.
      Algumas pessoas podem ter apenas uma série de leves dores e desconfortos, durante vários meses, sem entretanto incomodá-las demais. Isso parece ser mais comum nas mulheres com espondilite anquilosante. Nesse estágio, a doença pode tanto desaparecer, quanto pode prosseguir, causando rigidez na coluna dorsal ou mesmo no pescoço.
       Os órgãos e tecidos mais afetados pela espondilite anquilosante são:
  • - Articulações da coluna vertebral;
  • - Outras articulações (articulações dos quadris, ombros, joelhos, entre outras);
  • - Ossos;
  • - Olhos;
  • - Coração, pulmão e sistema nervoso central;
  • - Pele;
  • - Intestino.
        O diagnóstico da doença é baseado no conjunto de sintomas e no raio X da coluna e das juntas afetadas. O médico faz um histórico e examina as costas (procurando por espasmos musculares, com atenção para a postura e mobilidade) e examinará as outras partes do corpo, procurando pelas evidências da espondilite anquilosante.
       As alterações características estão nas juntas sacroilíacas, mas podem levar alguns meses para se desenvolver, podendo não ser notadas na primeira consulta.

Quem pode ter a Espondilite Anquilosante?

       Embora possa ocorrer indistintamente nos dois sexos, a espondilite anquilosante se manifesta mais frequentemente no sexo masculino, acomete de 4 a 5 homens para uma mulher. Normalmente os pacientes desenvolvem os primeiros sintomas no final da adolescência ou no início da idade adulta (17 aos 35 anos), sendo muito rara após os 40 anos de idade. Quando se manifesta antes da adolescência é descrita como espondilite anquilosante juvenil.
      As chances dos filhos de pacientes com espondilite anquilosante apresentarem a doença são muito reduzidas, não mais de 15 em 100, comparadas a 85 em 100 de gerar crianças saudáveis normais. Mesmo entre os 15% que apresentam a doença, provavelmente apenas um apresentará uma condição severa o suficiente para interferir em sua vida normal.

Diagnótico

      A espondilite anquilosante faz parte de um grupo de doenças conhecidas como espondiloartropatias, onde estão incluídas a Síndrome de Reiter, alguns casos de Artrite Psoriásica, e a Doença Inflamatória Intestinal (Chron, Retocolite Ulcerativa, etc.).
     O diagnóstico da doença é baseado na história clínica obtida pelo médico, nos exames de imagem (“raio x” das sacroilíacas e coluna, tomografia computadorizada e em alguns casos pela ressonância nuclear magnética).
    Devido à ausência de exames laboratoriais específicos para o diagnóstico e as alterações radiológicas serem tardias, o diagnóstico da espondilite anquilosante é retardado na sua fase inicial atrasando o início do tratamento da doença.

Tratamento
 
      Não há cura para a espondilite anquilosante e, embora a doença tenda a ser menos ativa conforme a idade avança, o paciente deve estar consciente de que o tratamento deve durar para sempre. O tratamento objetiva o alívio dos sintomas e a melhora da mobilidade da coluna onde a mesma tenha diminuído, permitindo ao paciente ter uma vida social e profissional normal. O tratamento engloba o uso de medicamentos, fisioterapia, correção postural e exercícios, que deve ser adaptado a cada paciente.
     No tratamento com medicamentos utilizam-se analgésicos para aliviar a dor e anti-inflamatórios. Existem várias substâncias capazes de reduzir ou eliminar a dor, que permitem ao paciente uma boa noite de sono e seguir um programa de exercícios.
     Passada a fase aguda da doença, a maioria dos pacientes não necessita de remédios, uma vez que façam parte de um programa regular de exercícios. Os remédios são necessários esporadicamente, apenas quando os sintomas reaparecem apesar dos exercícios. Para outros pacientes, pode ser necessário um tratamento contínuo com doses reduzidas (manutenção) de medicamentos.
     O propósito dos exercícios é conscientizar o paciente de sua postura, especialmente com relação às sua costas, e encorajar o movimento livre de algumas juntas, particularmente ombros e quadris. É importante fortalecer os músculos, pois o movimento reduzido, mesmo por um curto período de tempo, os enfraquece, podendo levar muito tempo para reconstruí-los.
     Além dos exercícios, é importante que o paciente consulte um fisioterapeuta para aprender uma rotina de exercícios que poderá praticar todos os dias. Com essa rotina o paciente terá alívio das dores, diminuição das inflamações e das contraturas, manutenção da postura, manutenção das funções articulares e evitar deformidades atróficas.
     A cirurgia é utilizada com maior frequência para restaurar os movimentos de juntas do quadril danificadas (artroplastia) e, raramente, para posicionar corretamente as costas ou o pescoço daqueles que se tornaram tão afetados pela doença a ponto de não conseguirem olhar para frente, tendo dificuldades até para atravessar uma rua.

Prognóstico

    A espondilite anquilosante, assim como as espondiloartropatias, são doenças crônicas em que grande parte dos pacientes evoluem com dor lombar crônica e em alguns casos incapacitante. Desse modo, o paciente deve participar ativamente de seu tratamento para que seja atingido um sucesso terapêutico, prevenindo as sequelas e incapacidades da doença, melhorando a sua qualidade de vida.
    O acompanhamento dos pacientes deve ser feito por profissionais especializados, o reumatologista, juntamente com o ortopedista, fisiatras e fisioterapeutas.
 
Recomendações
  • Não se descuide da prática dos exercícios posturais e respiratórios indicados pelo fisioterapeuta. A imobilidade acelera a evolução da doença;
  • Opte por uma dieta balanceada que ajude a controlar peso;
  • Procure manter a postura correta sempre, qualquer que seja a situação;
  • Escolha um colchão firme e sem ondulações para manter a coluna estável, enquanto dorme ou descansa;
  • Não se automedique para aliviar a dor ou o desconforto. Procure assistência médica para diagnóstico e tratamento.

 

Doença de Crohn

O que é?

           A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal de origem não conhecida e caracterizada pelo acometimento focal, assimétrico e transmural de qualquer porção do tubo digestivo, da boca ao ânus. Apresenta-se sob três formas principais: inflamatória, fistulosa e fibroestenosante. Os segmentos do tubo digestivo mais acometidos são íleo, cólon e região perianal.  Além das manifestações no sistema digestório, a DC pode ter manifestações extraintestinais, sendo as mais frequentes as oftalmológicas, as dermatológicas e as reumatologias.
          A prevalência e a incidência em países desenvolvidos situam-se em torno de 5:100.000 e 50:100.000 respectivamente. Uma estimativa da prevalência na cidade de São Paulo encontrou uma prevalência de 14,8 casos por 100.000 habitantes.
          A DC inicia mais frequentemente na segunda e terceira décadas de vida, mas pode afetar qualquer faixa etária. Doença de Crohn é um fator de risco para o câncer de intestino.



Como se desenvolve?

         Não se conhece uma causa para a Doença de Crohn. Várias pesquisas tentaram relacionar fatores ambientais, alimentares ou infecções como responsáveis pela doença. Porém, notou-se que fumantes têm 2-4 vezes mais risco de tê-la e que particularidades da flora intestinal (microorganismos que vivem no intestino e ajudam na digestão) e do sistema imune (mecanismos naturais de defesa do organismo) poderiam estar relacionadas. Nenhum desses fatores, isoladamente, poderia explicar por que a doença inicia e se desenvolve. O conjunto das informações disponíveis, até o momento, sugere a influência de outros fatores ambientais e de fatores genéticos.
         Nota-se a influência dos fatores genéticos em parentes de primeiro grau de um indivíduo doente por apresentarem cerca de 25 vezes mais chance de também terem a doença do que uma pessoa sem parentes afetados.

Sintomas



         A Doença de Crohn costuma iniciar entre os 20 e 30 anos, apesar de ocorrerem casos também em bebês ou casos iniciados na velhice. Os sintomas mais freqüentes são diarréia e dor abdominal em cólica com náuseas e vômitos acompanhados de febre moderada, sensação de distensão abdominal piorada com as refeições, perda de peso, mal-estar geral e cansaço. Pode haver eliminação, junto com as fezes, de sangue, muco ou pus. A doença alterna períodos sem qualquer sintoma com exacerbações de início e duração imprevisíveis.
         Outras manifestações da doença são as fístulas, que são comunicações anormais que permitem a passagem de fezes entre duas partes dos intestinos, ou do intestino com a bexiga, a vagina ou a pele. Essa situação, além de muito desconfortável, expõe a pessoa à infecções de repetição. As fístulas ocorrem isoladamente ou em associação com outras doenças da região próxima ao ânus, como fissuras anais e abscessos.
         Com o passar do tempo, podem ocorrer complicações da doença. Entre as mais comuns estão os abscessos (bolsas de pus) dentro do abdômen, as obstruções intestinais causadas por trechos com estreitamento - causado pela inflamação ou por aderências de partes inflamadas dos intestinos.       Também pode aparecer a desnutrição e os cálculos vesiculares devido à má absorção de certas substâncias. Outras complicações, ainda que menos freqüentes, são o câncer de intestino grosso e os sangramentos digestivos.
         Alguns pacientes com Doença de Crohn podem apresentar evidências fora do aparelho digestivo, como manifestações na pele (Eritema Nodoso e Pioderma Gangrenoso), nos olhos (inflamações), nas articulações (artrites) e nos vasos sangüíneos (tromboses ou embolias).

Diagnóstico

          O exame clínico e o levantamento da história do paciente, assim como alguns exames de sangue, são instrumentos importantes para o diagnóstico da doença de Crohn. No entanto, como a enfermidade pode comprometer todo o aparelho digestivo e desenvolver sintomas semelhantes aos de outras moléstias gastrintestinais, é necessário localizar as áreas afetadas, por meio de exames de imagem, como endoscopia digestiva, colonoscopia, raios X do trânsito intestinal (enema opaco), tomografia e ressonância magnética, a fim de estabelecer o diagnóstico diferencial.

Tratamento
 
         O tratamento da Doença de Crohn é individualizado de acordo com as manifestações da doença em cada paciente. Como não há cura, o objetivo do tratamento é o controle dos sintomas e das complicações.
         Não há restrições alimentares que sejam feitas para todos os casos. Em algumas pessoas, observa-se intolerância a certos alimentos, freqüentemente, à lactose (do leite). Nesses casos, recomenda-se evitar o alimento capaz de provocar a diarréia ou a piora de outros sintomas. Indivíduos com doenças no intestino grosso podem ter benefícios com dieta rica em fibras (muitas verduras e frutas), enquanto que em indivíduos com obstrução intestinal pode ser indicada dieta sem fibras.
        Além de adequações na dieta, medicamentos específicos podem ser usados para o controle da diarréia com razoável sucesso. O uso desses medicamentos deve sempre ser orientado pelo médico, já que há complicações graves relacionadas ao seu uso inadequado.
        Medicamentos específicos que agem principalmente no controle do sistema imune são usados no tratamento dos casos que não obtém melhora satisfatória apenas com dieta e antidiarréicos. São eles a sulfassalazina, mesalamina, corticóides, azatioprina, mercaptopurina e, mais recentemente, o infliximab. Pelo seu custo e efeitos colaterais, a decisão sobre o início do uso, a manutenção e a escolha do medicamento deve ser feita por médico com experiência no assunto, levando em conta aspectos individuais de cada paciente.
       Alguns doentes com episódios graves e que não melhoram com uso das medicações nas doses máximas e pelo tempo necessário, podem necessitar de cirurgia com retirada da porção afetada do intestino.
       Situações que também requerem cirurgia são sangramentos graves, abscessos intra-abdominais e obstruções intestinais. Apesar de se tentar evitar ao máximo a cirurgia em pacientes com Doença de Crohn, mais da metade necessitarão de pelo menos uma ao longo da vida. Retiradas sucessivas de porções do intestino podem resultar em dificuldades na absorção de alimentos e em diarréia de difícil controle.

Como se previne?

       Não há forma de prevenção da Doença de Crohn (DC).
       Pessoas já doentes são fortemente orientadas a não fumar como forma de evitar novas exacerbações. O uso crônico das medicações usadas para o controle das crises não mostrou o mesmo benefício na prevenção de novos episódios, devendo, portanto, ser individualizada a manutenção ou a suspensão do tratamento após o controle dos sintomas iniciais ou de agudização.
 
Recomendações

       A maioria dos doentes, quando entra em remissão, leva vida praticamente normal. Algumas medidas simples podem ajudar a prevenir as crises.
  • Não fume;
  • Pratique atividade física moderada;
  • Procure identificar os alimentos que lhe fazem mal e evite os que podem agravar os sintomas;
  • Controle o peso;
  • Evite, na medida do possível, as situações de estresse;
  • Reduza a ingesta de alimentos gordurosos de origem animal e de alimentos ricos em fibra;
  • Peça a orientação de um nutricionista para selecionar uma dieta balanceada;
  • Verifique o aspecto das fezes sempre que utilizar o vaso sanitário. Se notar sinais de sangue e alterações sem justificativa aparente nos hábitos intestinais, consulte um médico.
 

Doença de Reiter ou Artrite Reativa

O que é?

      Síndrome de Reiter, conhecida popularmente como artrite reativa, é uma doença que afeta as articulações provocando artrite assimétrica, isto é inflamação com aumento das juntas, principalmente nos membros inferiores (pernas) e que pode estar acompanhada de inflamação dos olhos (conjuntivite ou uveíte), inflamação da uretra (uretrite) ou do cérvix (cervicite), inflamação do intestino com diarréia aguda e acometimento da pele e mucosas (da boca e genitais).
       É um tipo particular de artrite reativa, isto é, uma inflamação de juntas que aparece como uma reação a uma infecção que afeta um local diferente das articulações e que não se consegue identificar o microorganismo causal. Quando se pesquisa o líquido sinovial (líquido próprio das juntas - articulações), não se encontra o agente infeccioso no local inflamado. Através de pesquisas especiais, partes de microorganismo, como o DNA de Clamydia, têm sido encontrados em alguns casos.

Causas

       A doença aparece em pessoas que são predispostas geneticamente. Entre 60 e 90% das pessoas com síndrome de Reiter apresentam o HLA B27 positivo que é um antígeno de histocompatibilidade humano presente nos cromossomos, que contém o nosso material genético.
       São reconhecidos dois locais diferentes do início da infecção que agiriam como gatilho para o aparecimento da doença:

  • infecção intestinal por: Shigella flexneri, Salmonella typhimurium, Salmonella enteritidis, Campylobacter jejuni e Yersinia enterocolítica. De 1 a 3% das pessoas com este tipo de infecção intestinal irão desenvolver a doença cerca de 15 a 30 dias após a infecção inicial.
  • infecção urogenital por Chlamydia trachomatis, e menos comumente, por Mycoplasma. Ocorre em 1 a 2% das pessoas portadoras de uretrite não-gonocócica e as manifestações da doença vão aparecer 15 a 30 dias após a infecção inicial.
Sintomas

         Em geral, a doença manifesta-se por inflamação das juntas (artrite) que aparece com maior freqüência nos membros inferiores (joelhos, tornozelos e quadril), mas pode também aparecer nas grandes articulações dos membros superiores como cotovelos, ombros e punhos. As artrites são na maioria das vezes monoarticular ou oligoarticular (até 4 articulações) e assimétricas, ou seja, que não acomete os dois lados do corpo ao mesmo tempo. É comum a ocorrência de entesite, que é a inflamação da inserção dos tendões nos ossos, principalmente no tendão de Aquiles e fascia plantar (calcanhar).
         Essas manifestações articulares estão associadas a uma das seguintes manifestações:
  • Uretrite: corrimento no canal da urina ou;
  • Cervicite: inflamação no colo do útero na mulher;
  • Diarréia aguda;
  • Doença inflamatória dos olhos: conjuntivite ou uveíte;
  • Acometimento da pele e mucosas: balanite circinada (lesões em volta da glande do pênis no homem e da vulva na mulher) e ceratodermia (lesões descamativas na palma das mãos e planta dos pés).
        Com menor freqüência, a doença pode acometer o rim (nefropatia) ou o coração (distúrbios de condução do ritmo cardíaco, insuficiência da válvula aórtica com sopro cardíaco). Entre 20 e 30% das pessoas acometidas podem desenvolver dor lombar baixa que piora após o repouso prolongado e acompanhada de rigidez pela manhã por acometimento da articulação sacroilíaca, ocasionalmente ascendendo para a coluna vertebral.

Diagnóstico

        O diagnóstico é clínico. É necessário reunir os dados clínicos característicos com a presença de infecção recente. Deve-se procurar infecção: além de exames laboratoriais que pesquisam a presença da chlamydia trachomatis (CT) é importante que os pacientes sejam avaliados por urologista ou ginecologista.
       Avaliação genital: na mulher, exame ginecológico confirmatório e acompanhamento são obrigatórios. No homem, na presença de secreção uretral facilmente percebida podemos dispensar o urologista. Entretanto, havendo suspeita de cronicidade nas primeiras consultas ou mais tarde, avaliação da próstata é indispensável, pois enquanto houver infecção o tratamento deve prosseguir.
       O problema surge quando não se tem dados concretos para infecção recente.
       Podemos estar frente a:
  • infecção recente sem sintomas;
  • infecção antiga e a Síndrome de Reiter foi desencadeada agora;
  • síndrome de Reiter crônica não diagnosticada.

Tratamento
 
  • Antibióticos:
         A infecção intestinal recente, na quase totalidade das vezes, já não estará mais provocando sintomas ou estes serão leves. Mesmo assim, é prudente usar-se antibióticos pois precisamos garantir a eliminação do agente que provocou a artrite. Já a evolução da infecção genital é variável. A bactéria envolvida é a chlamydia trachomatis(CT). Homens com discreta secreção uretral e/ou manchas na glande ou prepúcio ou suspeita clínica de prostatite confirmada por exame urológico, e mulheres com evidência clínica de cistite, cervicite (colo do útero) ou salpingite (trompas) têm o diagnóstico de SR estabelecido com facilidade desde que o médico relacione as manifestações reumáticas com a infecção.
           O tratamento com antibiótico é iniciado imediatamente e o prognóstico é favorável, mesmo que a SR permaneça por pelo menos dois meses, como é habitual. É necessário receitar três meses de antibiótico nos casos bons. A eliminação da chlamydia trachomatis(CT) do aparelho genital deve ser completa.
          Porém, uretrite no homem ou cervicite na mulher relacionadas com chlamydia trachomatis (CT) têm manifestações clínicas tardias em relação à data do contato sexual e os sintomas podem ser muito leves e não serem percebidos. Se presentes, o paciente pode não relacionar os fatos e omitir a história, não recebendo tratamento. Cabe ao médico orientar o interrogatório neste sentido. A evolução da infecção por chlamydia trachomatis (CT) pode ser bastante arrastada e sem sintomas havendo o risco do tratamento ser suspenso antes do tempo, colaborando para cronificação na forma de prostatite ou salpingite. Estes fatos levam, muitas vezes, à persistência da SR, tornando-se um problema de difícil solução em alguns pacientes os quais permanecem com dor e em tratamento por vários meses.
  • Analgésicos e anti-inflamatórios não-esteróides (AINES):
       Se a dor não é intensa, analgésicos comuns como acetominofeno podem ser úteis. Os AINES mais utilizados em SR são indometacina e fenilbutazona. O uso é limitado devido aos efeitos colaterais, mas se o paciente se beneficia e tolera o medicamento este pode ser mantido.
  • Outras opções:
       É bastante freqüente crises com dor intensa e evolução prolongada. Nestas ocasiões o reumatologista deve utilizar medicamentos de exceção tais como corticóide por via oral ou intramuscular e infiltrações e, eventualmente, drogas imunomoduladoras e imuno-supressoras.
 
Quais são as conseqüências da doença? 

       A Síndrome de Reiter é uma doença auto-limitada, com bom prognóstico, porém na maioria das vezes é recidivante podendo às vezes tornar-se crônica. A duração dos sintomas variam de poucos dias a várias semanas, com incapacidade importante do paciente nesse período. Entre 20 e 30% dos pacientes sofrem algum desconforto (mal-estar, febre, desânimo) ou outros sintomas da doença como artrite, conjuntivite e uretrite. As seqüelas com alterações destrutivas graves e deformidades são muito raras. Alterações degenerativas como osteoartrite das articulações comprometidas podem ocorrer.

O que acontece se a doença não for tratada?

       Apesar de ser uma doença auto-limitada, isto é, durar um período e melhorar muitas vezes mesmo sem tratamento, ela é reincidente, isto é, os sintomas retornam e quanto mais inflamações ocorrer numa articulação, maior será a probabilidade de lesões destrutivas e deformidades da juntas acometidas, podendo levar à incapacidade funcional do paciente.

Como evitar a doença?

       Por ser uma doença que pode aparecer em decorrência de uma infecção urogenital e que pode ser transmitida através do contacto sexual, a prevenção pode ser feita com o uso de preservativos, além do tratamento precoce e efectivo das infecções intestinais e urogenitais.

 

sábado, 29 de setembro de 2012

Polimiosite e Dermatopolimiosite

O que é?

        A dermatomiosite (dermatopolimiosite) e polimiosite são as doenças do grupo das miopatias inflamatórias idiopáticas.
        As miopatias inflamatórias são caracterizadas por fraqueza muscular proximal indolor e elevação de enzimas musculares, e alteração específica de doença inflamatória em exames complementares (ressonância, biópsia, eletroneuromiografia).
        A polimiosite tem como característica principal o envolvimento muscular. A dermatomiosite também tem um quadro cutâneo (pele) bem sugestivo.
        São doenças crônicas, inflamatórias de origem auto-imune.
        Não se sabe ao certo quanto tempo estas doenças existem, porém há publicações na literatura médica alemã de mais de cem anos.
        As primeiras descrições parecem ser as de Wegener, em 1863, e de Potain e Hepp, em 1887; Unvericht foi o primeiro a considerar a dermatomiosite como uma entidade individualizada.

Classificação

         Embora reconhecidos como entidades clínicas há um século, apenas em 1975 foram propostos critérios para diagnóstico por Bohan e Peter, de acordo com estes critérios os pacientes com PM apresentavam:
fraqueza muscular proximal, elevação dos níveis séricos de enzimas musculares, alterações miopáticas na eletroneuromiografia e alterações na biópsia muscular.
        A adição das alterações dermatológicas permitiu o diagnóstico DM. Esses critérios permitiram uma abordagem mais sistemática no estudo das miopatias inflamatórias.
        Bohan e Peter classificaram as miopatias inflamatórias em: polimiosite primária idiopática; dermatomiosite primária idiopática; dermatomiosite ou polimiosite associada com neoplasia; dermatomiosite ou polimiosite na infância; dermatomiosite ou polimiosite associada a outras doenças do colágeno.
        Benker e Engel, por sua vez, distinguem as formas principais de polimiosite e dermatomiosite, mas não incluem a polimiosite da infância.

Ocorrência

        Polimiosite e dermatomiosite são doenças relativamente raras, com incidência estimada entre 0,5 e 10 casos por 1.000.000 pessoas. Devido a uma melhor acurácia do diagnóstico houve aparente aumento desta incidência nos últimos anos.
        Quanto à faixa etária, apresenta pico bimodal de 5 a 15 anos e de 45 a 64 anos.
        Em relação ao sexo, mulheres são mais afetadas na proporção de 2,5:1 sendo menor esta diferença na infância e maior quando associada com outras colage-noses. Essa relação se inverte nas miopatias associadas a corpos de inclusão.
        Nos adultos, a PM é mais comum que a DM, sendo ao contrário na infância.

Sintomas

        Manifestações gerais - fadiga, mal-estar e mialgias são freqüentemente os sintomas iniciais de DPM. Febre ocorre em até 50% dos casos, sendo mais prevalente em crianças e adultos jovens. Pode haver também perda de peso, em geral ao longo da evolução da doença.
        Musculatura esquelética - o envolvimento muscular estriado se expressa inicialmente com queixas de fraqueza. Tende a ocorrer em um padrão proximal, simétrico, inicialmente das cinturas pélvica e escapular.

Diagnóstico

         Deve-se questionar o paciente sobre dificuldade para pentear cabelos, escovar os dentes, elevar os braços acima da cabeça, levantar de cadeiras, da cama ou do solo sem auxílio dos membros superiores, já que muitos pacientes não se queixam diretamente de fraqueza muscular. A marcha com basculação da bacia também é uma evidência de fraqueza dos músculos da cintura pélvica. Com freqüência se observa envolvimento precoce da musculatura faringeana proximal (voluntária) o que determina o surgimento de disfagia, regurgitação dos alimentos pelo nariz e disfonia. Uma complicação temida nestes casos é a aspiração de alimentos para a árvore brônquica e o desenvolvimento subseqüente de pneumonia. A musculatura respiratória pode ser afetada, em geral tardiamente, levando a dispnéia e até insuficiência respiratória. A graduação da força muscular dos principais grupos afetados deve ser registrada, em cada visita médica.   

Articulações - o envolvimento articular, na forma de artralgia ou artrite não erosiva, não é incomum. Costuma ser simétrico e afetar pequenas e grandes articulações. Raramente leva à deformidade.        

Pele - algumas manifestações cutâneas da dermatomiosite são tão características que são quase patognomônicas. Dentre estas, cita-se o Heliotropo - coloração eritematoviolácea ao redor dos olhos, acompanhada ou não de edema; Pápulas de Gottron - pápulas hiperemiadas, planas, descamativas sobre a superfície extensoras das articulações das mãos, cotovelos, joelhos e maléolos; Sinal de Gottrön - basicamente o mesmo da anterior, porém sem as pápulas.
        Uma manifestação relacionada é o eritema linear, que consiste de hiperemia ao longo dos tendões extensores das mãos e pés.
        Outras lesões encontradas com freqüência incluem: Eritema Malar - diferente daquele que ocorre no lúpus eritematoso sistêmico, por não poupar os sulcos nasolabiais; Sinal do V - hiperemia cutânea na face anterior do tórax e pescoço, exposta à luz solar (área do decote); Sinal do Manto - equivalente ao anterior, porém na face posterior do tórax e sobre os ombros; Eritrodermia - hiperemia difusa da pele; Mãos de mecânico/maquinista - consistem de lesões descamativas, dolorosas, com fissuras, nas pontas dos dedos. Tardiamente, as lesões podem involuir, tornarem-se brilhantes, atróficas e freqüentemente hipopigmentadas. Fotossensibilidade e prurido são observados.                    
        Manifestações mais raras incluem paniculite, mucinose cutânea, vitiligo e lipoatrofia multifocal. O envolvimento cutâneo pode anteceder, suceder ou ser simultâneo ao acometimento muscular nos casos de dermatomiosite. A ausência de manifestações dermatológicas define a doença como polimiosite. Existe uma entidade clínica em que os sinais cutâneos estão presentes, porém sem evidência de comprometimento muscular, à qual se dá o nome de dermatomiosite amiopática.         

Calcinose - caracterizada por calcificações ectópicas, anômalas, principalmente em áreas sujeitas a traumas repetidos, tais como cotovelos, joelhos, nádegas e superfície flexora dos dedos. Pode comprometer sítios dérmicos, hipodérmicos, fáscias musculares ou o tecido conjuntivo que envolve os feixes musculares. Costuma ser uma complicação tardia e é mais freqüente em pacientes com PM/DM com início na infância.         

Sistema respiratório - o acometimento pulmonar na PM/DM se caracteriza basicamente por dispnéia de esforço ou tosse geralmente não produtiva. É variável e pode ocorrer por envolvimento pulmonar direto ou por causas extrapulmonares. O envolvimento pulmonar direto na poli/dermatomiosite pode assumir três faces diferentes: a) uma forma agressiva de alveolite difusa com tosse não produtiva e rápida progressão da dispnéia; b) uma forma mais lentamente progressiva em que os sintomas miopáticos sobrepujam os pulmonares; e c) pacientes assintomáticos na presença de alterações radiográficas ou de provas de função pulmonar. Ainda devem ser lembradas as infecções pulmonares como fator adicional de morbidade para o sistema respiratório nos pacientes com DPM, facilitadas por aspiração de alimentos da cavidade oral, tratamento imunossupressor, comprometimento parenquimatoso, entre outras. Causas extrapulmonares incluem a fraqueza da musculatura respiratória, problemas cardiológicos e toxicidade pelo metotrexate.         

Sistema cardiovascular - o acometimento cardíaco na DPM é freqüentemente assintomático. Os sintomas, quando presentes, costumam ocorrer tardiamente e refletem o envolvimento do sistema de condução ou do miocárdio, traduzindo-se clinicamente por arritmias (anormalidade mais freqüente, desde simples palpitações a formas graves) ou sintomas e sinais de insuficiência cardíaca. O envolvimento vascular periférico consiste de lesões vasculíticas, como as que originam a "mão-de-mecânico", ulcerações ou fenômeno de Raynaud, entretanto este último costuma estar mais presente na síndrome anti-sintetase ou na sobreposição com esclerose sistêmica.        

Sistema gastrointestinal - a disfagia é o sintoma mais freqüente, resultante do envolvimento do trato gastrointestinal. Ela resulta de fraqueza da musculatura da língua, da faringe e da porção inicial do esôfago Os pacientes se queixam de dificuldade para iniciar a deglutição. Por isso a regurgitação pelo nariz e pela boca é muito comum. Por vezes, os sintomas são tão severos que obrigam à sondagem nasoenteral. A fraqueza dos músculos intrínsecos da laringe e a aspiração de conteúdo orofaringeano levam freqüentemente à disfonia. O envolvimento da musculatura lisa de porções inferiores do aparelho gastrointestinal pode levar a constipação, diarréia, distensão abdominal e fenômenos de má absorção. Entretanto esta manifestação é mais encontrada nos casos de sobreposição de PM/DM com esclerose sistêmica. Ulceração e sangramento intestinal pode ocorrer devido à vasculite em pacientes com dermatomiosite com início na infância.       

Envolvimento renal - raramente os rins são afetados. A ocorrência de mioglobinúria por miólise intensa pode levar a quadro de insuficiência renal aguda. Proteinúria e glomerulonefrite mesangial ou focal leves podem ser encontradas, porém sem evolução para insuficiência renal crônica. Acometimento renal mais grave pode ocorrer em síndrome de sobreposição com lúpus eritematoso sistêmico ou esclerose sistêmica.        

Neoplasia maligna - embora haja controvérsias, acredita-se que até 10% dos casos de polimiosite e 15% dos casos de dermatomiosite estão associados com neoplasia. Acima da quinta e sexta décadas de vida esta suspeita deve sempre suscitar uma investigação mais rigorosa. Cronologicamente, a neoplasia pode "aparecer" em qualquer ponto da evolução da poli/dermatomiosite, entretanto a literatura disponível sobre o tema ensina que o câncer é diagnosticado, geralmente, até dois anos após o diagnóstico de PM/DM.       

Síndrome anti-sintetase - denomina-se assim uma forma mais agressiva da doença marcada laboratorialmente por anticorpos antiaminoacil-tRNA sintetase, dos quais o mais encontrado é o anti-Jo-1 (anti-histidil-tRNA sin-tetase). Clinicamente, caracteriza-se por miosite severa, com moderada resposta ao tratamento e reagudização com redução das doses de corticosteróides e alta freqüência de artrite não erosiva simétrica, fenômeno de Raynaud, doença pulmonar intersticial, febre e "mãos-de-mecânico".

TESTES LABORATORIAIS

Bioquímicos

       O processo patológico muscular pode ser confirmado com a elevação das enzimas séricas derivadas de músculo estriado esquelético.
       As enzimas que tendem a elevar-se são: creatinoquinase (CK ou CPQ), transaminases (TGO,TGP) aldo-la-se e desidrogenase lática (DHL).
      A CK é um dímero encontrado em três isoformas no soro (MM, MB, BB).
      A fração MB é um componente menor no músculo esquelético e a fração MM é predominante. A CK está elevada em 95% dos pacientes e seu nível pode ser útil para segmento da atividade e avaliação da eficácia terapêutica, porém nem sempre refletem a atividade global da doença. Seus níveis podem variar devido a uma série de fatores como sexo, etnia, traumas, medicamentos e doenças associadas.
      Em geral, há um período de cerca de três a oito semanas entre a normalização da CK e a melhora da força muscular; e três a seis semanas entre a elevação da CK e a alteração da força muscular.
      Embora altos níveis dessas enzimas sejam encontrados na PM/DM, não são específicos. Podem também estar normais em pessoas em uso de corticosteróides e atrofia muscular intensa.
      A dosagem de mioglobina sérica e urinária pode ajudar o diagnóstico, porém seu custo e baixa disponibilidade do teste dificultam a utilização rotineira.
      Outros exames inespecíficos podem ser utilizados como: VHS (elevado em menos da metade dos pacientes); proteína C reativa (normal na maioria); e gamaglobulina. Neopterina e antígeno relacionado ao fator VIII, liberados por macrófagos ativados e células endoteliais lesadas, respectivamente, podem ser utilizados para avaliação da atividade da doença.

 Tratamento

          O tratamento deve ser objetivado segundo os padrões evolutivos monocíclico, policíclico e contínuo/crônico.
          Os esquemas terapêuticos sofrem críticas que decorrem das diferenças clínicas, imunológicas e prognósticas, ao lado das variáveis evidenciadas pela resposta diversa aos medicamentos e suas associações.
         Impõe-se o repouso na fase aguda, de forma obrigatória, pela insuficiência muscular. Mesmo assim, cuidados devem ser adotados, particularmente nos enfermos mais idosos, visando a proteção contra as complicações pulmonares, pela mudança de decúbito e ginástica respiratória.
         Tratamento da pele. A terapêutica cutânea baseia-se na introdução de creme lubrificante ou emoliente no uso de potente corticosteróide não-fluorado; no emprego de antibióticos locais para combate de infecções e na excisão cirúrgica para a remoção da calcinose mais superficial.
         Terapêutica sistêmica. Impõe-se, antes de se iniciar a terapia, uma vigorosa exclusão da associação com doença maligna.
         Em vista da natureza inflamatória da DM/PM, a terapia esteróide e imunossupressora é habitualmente utilizada. Entretanto, poucos são os estudos controlados e os que abordam o prognóstico de doentes não tratados.
         Corticosteróides (CE). A prednisona é droga de primeira escolha no tratamento da PM/DM. Sua ação supressiva, mas não curativa sobre a inflamação, determina remissões longas ou até definitivas, mas também recorrências. Os melhores resultados, com remissões aparentemente definitivas, ocorrem nos casos de diagnóstico e tratamento vigoroso, início precoce da terapia, próximo dos dois ou três meses e com boa recuperação da força muscular4.
         Citotóxicos / Imunossupressores. Essas drogas (metotrexato, clorambucil, azatioprina, ciclofosfamida, ciclosporina, tacrolimus gamaglobulina EV) têm sido utilizadas há muitos anos e são promissoras e devidamente eficientes, sendo crescente a sua utilização, incluindo as crianças. Nessas, prefere-se o metotrexato e a azatioprina.
        A preferência pela terapia imunossupressora está na dependência (na grande maioria dos doentes) da experiência pessoal com as drogas e a relação risco-benefício.
        Metotrexato (MTX). Para alguns é uma opção posterior à azatioprina. Entretanto, de longa data, é alternativa eficiente e de ação mais rápida. Até certo ponto, pode-se admitir que apresenta menos efeitos colaterais nas doses habitualmente utilizadas na MD/PM e seu potencial mutagênico é muito menor. O MTX (20 mg por semana por via oral) associado à prednisona mostrou-se eficaz no tratamento da DM resistente da criança; a recorrência da doença, após retirada do MTX, sugere que a droga é supressiva e não remitiva.
        Azatioprina. É ao lado da gamaglobulina endovenosa, a única droga que isoladamente em estudo controlado se mostrou ser mais eficiente que a prednisona. É droga bem tolerada, tem poucos efeitos colaterais e é equivalente aos demais imunossupressores na eficiência terapêutica.
        Entre os efeitos indesejáveis mais freqüentes, encontra-se a anemia (às vezes rebelde à terapêutica e persistente por anos), leucopenia, plaquetopenia, pancitopenia, quadro doloroso no abdome superior, intolerância gastrointestinal e hepática, febre, suscetibilidade a infecções e possibilidade de surgimento de neoplasia a longo prazo.
        Ciclofosfamida e Clorambucil. A ciclofosfamida é empregada por via oral na dose de 1 mg/kg/dia ou em pulsos endovenosos de 1 g/m2 cada 4 semanas ou em minipulsos de 200 mg, 400 mg ou500 mg cada uma, duas ou três semanas, complementando-se ou não com a administração oral. Resultados são pobres para alguns.
        O clorambucil é utilizado na dose de 4 mg a 8 mg ao dia ou eventualmente pouco mais (0,1 mg/kg/dia a 0,2 mg/mg/dia). Ela foi a droga de maior utilização pelo seu custo, facilidade de obtenção e efeito benéfico, começando de 4 a 6 semanas, ou mesmo antes.
        Associações de prednisona + citotóxicos. São usuais as combinações de prednisona + azatioprina24 e prednisona + MTX, nos casos não-responsivos. A combinação prednisona (em dias alternados) + MTX (dose de 7,5 mg elevando-se até 25 mg/semana) + azatioprina (dose de 50 mg aumentando-se até 150 mg/dia) tem sido utilizada com poucos efeitos colaterais. A possibilidade de empregar a associação de prednisona + clorambucil também é produtiva.
        Gamaglobulina endovenosa (GGEV). Embora não tenha sido muito convincente em estudo aberto, a GGEV mostrou-se eficiente em estudo controlado na PM/DM e na miosite dos corpúsculos de inclusão na dose de 1 g/kg/dia por dois dias ou 2 g/kg/dia cada 4 semanas, que se repetem aos 30 e 60 dias e se completam aos 60 a 90 dias.
         A indicação de GGEV está na ineficiência dos corticosteróides e nos casos refratários, nos pacientes idosos e nas crianças com dermatomiosite em que a prednisona determina efeitos secundários mais acentuados e sua administração precoce está relacionada a resultados mais convicentes.
          Ciclosporina A e tacrolimus. Patogenicamente, pode-se prever o efeito benéfico da ciclosporina A por meio de sua ação seletiva sobre as células T, bloqueio da interleucina 1 (IL-1) e redução da regulação do receptor IL2.
Pequenas doses foram eficientes também na dermatomiosite da criança e na polimiosite/dermatomiosite do adulto.
          Estudo aberto também evidenciou sua eficiência, quando comparada com grupo que incluía outras terapias, incluindo prednisona e azatioprina.
          Plasmaferese. Em estudos controlados, mostrou apenas benefício transitório, embora relatos mais animadores tenham sido divulgados. É medida eventual, geralmente complementar ou de associação.
          Irradiação corporal ou linfóide total e outras terapias. A irradiação corporal ou linfóide total foi utilizada quando tudo o mais não foi eficiente, com alguns autores afirmando que seus resultados poderiam ser duradouros e outros insuficientes.          
          Tratamento físico/reabilitação. Na miosite aguda, recomenda-se os cuidados necessários no leito, com a alimentação e prevenção da aspiração, além dos cuidados de manuseio e transferência. Massagem superficial e calor ajudam no alívio da dor muscular. Pode ser dispensável nas fases iniciais e mais agudas, mas representa suporte necessário e indispensável, com benefício evidente nas fases seguintes, de recuperação.
           
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          A falta de critérios específicos de diagnóstico e a relativa raridade desse grupo de doenças causam dificuldades na determinação mais precisa da prevalência, mas se sabe que varia de uma a oito em um milhão de população/ano, parecendo haver maior incidência em negros.
          A incidência parece ter aumentado nos últimos anos, o que se pode atribuir, em parte, ao melhor conhecimento da doença ou mesmo a um aumento verdadeiro da incidência. A idade de início tem distribuição bimodal, com picos entre as idades de dez a quinze e de quarenta e cinco a cinqüenta e quatro anos, raramente começando na adolescência.
             Alguns trabalhos indicam preponderância de neoplasias ovarianas e gástricas, mas parece que o tipo de neoplasia se relaciona mais com a idade. Muitos pacientes melhoram com a ressecção do tumor e a DM pode reagutizar com a recidiva do mesmo.
            A terapia física tem a sua aplicação no curso da doença, dirigindo-se os esforços para a prevenção de contraturas e deformidades, na fase ativa, e, posteriormente exercícios de recuperação da força muscular e para a volta às atividades da vida diária.

Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI)

O que é?

          Púrpura trombocitopênica idiopática é uma doença autoimune que se caracteriza pela destruição das plaquetas, células produzidas na medula óssea e ligadas ao processo de coagulação inicial do sangue.
         O nome está diretamente relacionado às principais manifestações da enfermidade. Púrpura é uma referência às manchas roxas ou avermelhadas indicativas de sangramentos que aparecem na pele; trombocitopênica, em razão da trombocitopenia, ou seja, do sangramento provocado pela queda no número de plaquetas. Chama-se idiopática, porque a causa da doença ainda não foi identificada.
        A enfermidade afeta uma em cada 10 mil pessoas e incide mais nas mulheres em idade fértil do que nos homens. Crianças podem apresentar uma forma aguda e autolimitada de PTI, em geral decorrente de um quadro infeccioso viral.

Como se adquire?
 
        A púrpura é provocada pela ruptura de pequeníssimos vasos do sistema circulatório, chamados de capilares por analogia a fios de cabelo, por onde flui o sangue. Essa ruptura é geralmente ocasionada por traumatismo na pele ou nas mucosas. Em mulheres e crianças é freqüente o aparecimento de púrpura nas pernas e coxas com traumatismo mínimo ou mesmo sem traumatismo, de um tamanho de até cinco centímetros de diâmetro, em pessoas normais. Pode também ocorrer quando o traumatismo é ocasionado por uma injeção intramuscular ou na coleta e sangue para exames.
 
Sintomas

         Os sintomas surgem quando a queda do número de plaquetas compromete o processo de coagulação do sangue a ponto de provocar sangramentos. Os mais típicos são os sangramentos que se localizam na pele ou nas mucosas sob a forma de petéquias (manchas puntiformes) ou equimoses (manchas maiores). Podem ocorrer também sangramentos nasais (epistaxes), nas gengivas, gastrintestinais e no trato urinário. A ocorrência de edemas, dor nas pernas e hemorragias menstruais são mais difíceis de controlar.
        A intensidade dos sintomas varia muito de um paciente para outro. Em alguns casos, eles podem ser assintomáticos e dispensam tratamento.


 Diagnóstico

        O médico procura investigar se esta manifestação de hemorragia é única ou se existem outros tipos de sangramentos na pessoa. Em geral, a manifestação hemorrágica é limitada à púrpura e o médico tentará investigar a causa em 2 fatores principais: no próprio capilar ou num elemento fundamental da hemostasia (nome dado à capacidade do nosso organismo em estancar sangramento) que são as plaquetas. As plaquetas são fragmentos microscópicos do citoplasma de um determinado tipo de célula encontrado na medula óssea(megacariócitos). As plaquetas tem a capacidade de se agregar e aderir a mínimas lesões dos vasos e fechar com extrema rapidez pequenos "vazamentos" no sistema circulatório.
        Quando estas plaquetas estão em número muito reduzido, mínimas rupturas dos capilares provocam hemorragia localizada e o aparecimento de petéquias ou púrpura.
        Em algumas situações, mesmo com número de plaquetas normais, o distúrbio pode ser causado por um defeito na sua função.
        As plaquetas são avaliadas através de sua contagem numa amostra de sangue ou ainda através de testes que estudam sua função.
        Caso seja encontrada uma deficiência quantitativa ou qualitativa nas plaquetas, numa segunda etapa da investigação, o médico irá procurar a causa da diminuição do número ou da deficiência funcional.
        O número das plaquetas pode estar diminuído por doenças próprias do tecido formador das plaquetas na medula óssea ou porque esse tecido foi destruído com quimioterapia ou radioterapia. Em outras situações, a formação das plaquetas é adequada e a sua diminuição é decorrente de uma destruição acelerada.
       Os defeitos de função das plaquetas podem ter causas genéticas ou adquiridas. Entre as causas adquiridas incluem-se doenças como a insuficiência renal crônica ou medicamentos (os mais conhecidos, são os efeitos da aspirina e antiinflamatórios, sobre a função plaquetária).
       Quando as plaquetas estiverem normais, a causa da púrpura deverá estar no próprio capilar, numa condição genericamente denominada de "fragilidade capilar". As causas dessa fragilidade vão desde doenças genéticas, passam por deficiência de vitamina C, podem ter causas alérgicas,hormonais, deficiência na estrutura da pele pelo envelhecimento natural (púrpura senil) ou não tem uma causa determinável.
       Caberá ao médico, analisando o conjunto de dados do paciente, achar a causa da púrpura.
 
Tratamento
 
a) Crianças:

         Como mais de 80% das crianças se recuperam espontaneamente da PTI, o tratamento com drogas neste grupo normalmente só está indicado quando há trombocitopenia grave ou sangramentos que coloquem a vida do paciente em risco. Em geral não é preciso tratamento quando os níveis de plaquetas estão acima dos 30.000/ml. Nos pacientes com plaquetas abaixo de 30.000/ml, a indicação ou não do tratamento deve ser individualizada, avaliando-se caso a caso.
          Na maioria dos casos só são necessários medidas preventivas. As principais são evitar atividades esportivas ou qualquer outra que possa haver traumas ou impacto. É importante também evitar drogas que possam piorar a função da plaquetas, nomeadamente aspirina e anti-inflamatórios.
          As principais drogas usadas nos casos de PTI grave são os corticóides, em geral prednisona ou dexametasona, e a imunoglobulina intravenosa.
          Só se indica transfusão de plaquetas em casos de risco iminente de morte, uma vez que essas terão uma vida muito curta, já que serão destruídas juntamente com as plaquetas naturais do paciente. Não adianta fornecer plaquetas enquanto não se interromper o processo de destruição das mesmas.
         Cerca de 20% das crianças com púrpura trombocitopênica idiopática não apresentam melhora mesmo após 6 meses de evolução, comportando-se de modo semelhante a PTI do adulto.
         Nos casos graves de PTI que não respondem ao tratamento com medicamentos ou que permaneçam ativos por mais de 12 meses, pode-se lançar mão da esplenectomia (retirada do baço) para o controle da doença.

b) Adultos:

        Assim como nas crianças, só se indica tratamento com drogas em adultos com contagem de plaquetas muito baixa ou sob risco de sangramento grave. Pacientes com plaquetas acima de 50.000/ml só precisam de seguimento frequente.
        O tratamento é semelhante aos das crianças, porém, no adulto não se espera uma resolução completa da doença, sendo o objetivo apenas impedir quedas muito grande das plaquetas.
       A retirada do baço pode ser indicada nos casos graves que durem mais de 6 semanas.
 
Como se previne?
 
        Quando há uma causa identificada, um maior cuidado com traumatismos no dia a dia auxilia a atenuar esta manifestação.
        Nos casos em que uma causa não pode ser identificada é importante que o paciente esteja consciente de que, apesar dos transtornos estéticos que a púrpura pode acarretar, essa não é uma manifestação de doença grave.
 
Recomendações
  • Sangramentos provocados pela baixa contagem de plaquetas são facilmente visíveis sob a pele ou mucosas. A presença inexplicável de pequenos pontos ou de manchas arroxeadas espalhadas pelo corpo deve ser um sinal de alerta. Procure assistência médica para diagnóstico e tratamento, se necessário;
  • Em geral, a púrpura trombocitopênica idiopática tem bom prognóstico, desde que devidamente tratada.

Penfigóide Bolhoso

O que é?

         O Penfigóide bolhoso é uma doença crônica (de longa duração), autoimune, que atinge principalmente pessoas acima de 60 anos de idade, de ambos os sexos, formando bolhas grandes e tensas na pele. Em alguns casos, também pode atingir as mucosas.
         A formação das bolhas ocorre devido ao ataque, por anticorpos, contra a membrana basal, uma fina camada fibrosa que conecta a epiderme, que é a camada mais externa da pele, com a derme, segunda camada. A causa deste ataque é desconhecida.
         Já foi descrito o surgimento da doença após exposição à radiação ultravioleta, radioterapia ou uso de alguns medicamentos.

Sintomas

        A doença é caracterizada pelo surgimento de bolhas espalhadas pelo corpo, com predileção por áreas de dobras da pele, como as virilhas e axilas, abdomen, coxas e braços, geralmente acompanhadas por prurido (coceira). Em alguns casos as bolhas podem ser precedidas por lesões semelhantes às da urticária.
       As bolhas características da doença são grandes, preenchidas por líquido transparente ou contendo sangue, e não rompem-se facilmente. A pele ao redor das bolhas pode ter aspecto normal ou estar avermelhada. Quando as bolhas se rompem, deixam ferida sensível ou dolorosa que, em geral, não dão origem a cicatrizes.
       O penfigóide bolhoso pode apresentar períodos de melhora e piora. O acometimento das mucosas é raro e, quando ocorre, as lesões costumam ser discretas.

 
 
Tratamento
 
           A finalidade do tratamento é diminuir a formação das bolhas e promover a cicatrização das feridas resultantes. Os medicamentos mais comumente utilizados tem ação antiinflamatória (corticosteróides, tetraciclinas, dapsona) ou imunossupressora (azatioprina, methotrexate, ciclofosfamida).
           Corticosteróides de uso tópico podem ser uma opção nos casos com lesões localizadas ou em associação com medicações orais, na tentativa de reduzir as suas doses e evitar possíveis efeitos colaterais.
           Como a doença atinge principalmente idosos, a terapia deve ser individualizada para cada paciente pelo médico dermatologista, buscando-se a menor dose possível de medicação que seja suficiente para controlar a doença e levando-se em conta a presença de enfermidades preexistentes ou outras condições de saúde que são comuns nas pessoas desta faixa etária.

Oftalmia Simpática

O que é?

         A oftalmia simpática (SO) é uma uveíte granulomatosa anterior bilateral que ocorre habitualmente nos três meses após traumatismo ou procedimento cirúrgico envolvendo um olho.
         O aparecimento da inflamação no olho contralateral pode ocorrer dias ou anos após a lesão desencadeante, mas geralmente se dá nos primeiros meses.
         É a mais temida complicação ocular unilateral, considerada uma lesão grave, pois pode deixar o paciente completamente cego.
         Na quase totalidade dos casos, o dano uveal é de origem traumática ou cirúrgica. O olho traumatizado é denominado simpatogênico e o olho contralateral de simpatizado. A histopatologia da doença mostra nódulos ou infiltrados difusos de linfócitos e macrófagos no tecido uveal, sendo por esse motivo classificada como doença auto-imune.
         A SO foi descrita como afectando 1/1000 e 1/1650 indivíduos com história de ferida ocular penetrante.

Sintomas 

         Os doentes apresentam dor, fotofobia, parésia da acomodação, metamorfopsia e perda de visão ligeira a significativa. A uveíte granulomatosa anterior é acompanhada por achados do segmento posterior incluindo vitrite moderada a grave, coroidite, papilite, perivasculite, e lesões amarelas esbranquiçadas do epitélio pigmentar da retina (nódulos de Dalen-Fuchs). A inflamação pode levar a descolamento seroso da retina e edema macular. Os sintomas extra-oculares incluem cefaleia, meningite ou pleocitose do líquido cefaloraquidiano, perda auditiva, poliose e vitiligo.
         A etiologia da SO não é completamente compreendida. A inflamação é causada por um mecanismo imune celular e resposta inflamatória auto-imune dirigida contra auto-antigénios oculares libertados após a lesão. A natureza desses auto-antigénios permanece controversa. As infecções bacterianas podem potenciar o desenvolvimento da SO e podem também estar implicados factores genéticos uma vez que foram relatadas associações a antigénios específicos de histocompatibilidade major (HLA-DR4, HLA-A11 ou HLA-B40). A SO pode ocorrer após trauma ocular (47 a 65% de doentes) ou contusões. As feridas que envolvem o corpo ciliar estão associadas a maior risco. As intervenções cirúrgicas também podem desencadear SO, sendo o risco maior com cirurgia ao segmento posterior do que a cirurgia ao segmento anterior.

Diagnóstico

         O diagnóstico da SO baseia-se principalmente na história do doente e na apresentação clínica. Os estudos imagiológicos (angiografia de fluoresceina ou indocianina verde, ecografia modo-B e tomografia de coerência óptica) podem ser úteis para confirmar o diagnóstico. Podem ser realizadas análises laboratoriais para eliminar uveíte infecciosa.
         Quando se confirma a história de traumatismo, devem ser incluídas no diagnóstico diferencial endoftalmite (ver este termo) e outras formas de uveíte pós-traumática (uveíte induzida pelo cristalino, iridociclite pós-traumática). As outras doenças associadas à uveíte granulomatosa, incluindo sarcoidose e o síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (ver estes termos) ou o síndrome de efusão uveal, podem também ser considerados na ausência de história identificável de traumatismo ocular.

Tratamento

         O encerramento rápido e cuidadoso de todas as feridas diminui o risco de SO. O tratamento primário passa por doses elevadas de esteróides (pelo menos durante 3 meses), seguido de desmame de acordo com a resposta inflamatória e terapia de manutenção por 6-12 meses após a resolução.   Podem ser considerados imunomoduladores (ciclofosfamida, azatioprina ou ciclosporina) quando a inflamação não pode ser controlada apenas por esteróides. O tratamento cirúrgico permanece controverso e a enucleação ou a evisceração devem apenas ser propostas em casos de cegueira ou dor no olho provocador, uma vez que o prognóstico visual do olho simpático é variável. Não se demonstrou que a enucleação tardia seja benéfica.
         Sem tratamento, o prognóstico ocular é mau, com a SO levando a cegueira bilateral. Contudo, o rápido encerramento das feridas e tratamento médico eficaz melhoram o prognóstico visual, que pode então ser relativamente favorável. Contudo, podem ocorrer recaídas e complicações sendo necessário o seguimento a longo prazo.

Síndrome miastênica de Lambert-Eaton

O que é?

          A síndrome de Lambert-Eaton (LEMS), também conhecida como Síndrome miastênica de Lambert-Eaton ou Síndrome miastênica, é uma doença com sintomas muito semelhantes aos de miastenia grave (doença neuromuscular caracterizada por fraqueza e fadiga dos músculos esqueléticos) , em que há uma fraqueza muscular relacionada ao bloqueio da comunicação entre os nervos e músculos.
         O carcinoma de células pequenas do pulmão é uma condição freqüentemente associada, embora outras doenças malignas e auto-imunes possam estar associadas.
        A fraqueza muscular resulta do comprometimento da transmissão do impulso nervoso na junção neuromuscular. A disfunção pré-sináptica do canal de cálcio leva a uma quantidade reduzida de acetilcolina sendo liberada em resposta à estimulação do nervo.
        Esta enfermidade, descrita por Eaton, Lambert e Rooke em 1956, acomete, em geral, adultos, com preferência pelo sexo masculino (5:1). É observada, na maior parte dos casos, em associação a neoplasia pulmonar do tipo oat cell. Nestes casos, o quadro neurológico pode preceder o aparecimento do tumor em anos.
        Vários outros tumores já foram relacionados à síndrome de Eaton Lambert: linfomas; carcinomas de mama, cólon, próstata, estômago, rim.
        Embora sempre se pense em Eaton Lambert como doença paraneoplásica, também está associada a várias doenças autoimunes.

Doenças autoimunes que podem estar associadas a síndrome de Lambert-Eaton
 
Anemia perniciosa
• Vitiligo
• Doença celíaca
• Diabetes Mellitus Tipo I
• Artrite reumatóide
• Asma
• Retocolite ulcerativa
• Esclerodermia
• Esclerose múltipla

Patogênese (modo como os agentes etiopatogénicos agridem o nosso organismo e os sistemas naturais de defesa reagem)

           A síndrome de Eaton Lambert ocorre por uma anormalidade da liberação de acetilcolina na fenda sináptica. Nesta enfermidade existem anticorpos contra os canais de cálcio voltagem -dependentes (tipo P/Q) do terminal pré sináptico.
           Nos casos de Eaton Lambert e tumores do tipo oat cell, parece haver determinantes antigênicos semelhantes na superfície do tumor e no terminal pré-sináptico, gerando respostas autoimunes contra este último.

Sintomas

           O quadro se inicia, na maioria dos casos, com fraqueza de caráter progressivo e com flutuação com a atividade física, acometendo musculatura proximal dos membros inferiores e cintura pélvica. Progressivamente, há fraqueza em cintura escapular, podendo também haver comprometimento da musculatura craniobulbar, embora diplopia, ptose e disfagia não sejam comuns.
          Além do comprometimento motor, em muitos casos, há queixas relacionadas com o sistema nervoso autônomo, tais como constipação, retenção urinária, boca seca e impotência. Hipotensão postural é rara.
          Ao exame físico, observa-se fraqueza da musculatura proximal, com melhora característica após alguns segundos de contração muscular sustentada. Os reflexos profundos encontram-se diminuídos ou abolidos, entretanto, após contração voluntária do músculo em questão, pode ocorrer recuperação do reflexo.

Diagnóstico

         O diagnóstico é definido pelo incremento da resposta com a estimulação repetida do nervo, padrão que é oposto ao da Miastenia Gravis. O primeiro potencial evocado é de baixa amplitude, porém com velocidades de estimulação acima de 10Hz ocorre um grande aumento na amplitude do potencial. Essa resposta resulta da facilitação da liberação do neurotransmissor em elevadas freqüências de estimulação.
        Além dos achados eletroneuromiográficos, pode-se ainda pesquisar os anticorpos anticanais de cálcio. A especificidade é de 92% e cerca de 9 a 15% dos pacientes com Eaton Lambert têm a pesquisa de anticorpos negativa.

Tratamento

         Nos casos relacionados a neoplasias, o tratamento destas condições leva a melhora da sintomatologia neurológica. Portanto, caso não haja, no momento do diagnóstico, qualquer evidência de doença neoplásica, deve-se repetir o screening para neoplasias a intervalos regulares (3 a 6 meses).
         O tratamento sintomático do quadro neurológico pode ser realizado com drogas que melhoram a liberação de acetilcolina na fenda sináptica. Os inibidores da acetilcolinesterase, utilizados no tratamento da Miastenia Gravis têm pouco efeito para Eaton Lambert.
         A 3,4-diaminopiridina melhora a liberação de acetilcolina na fenda, através da inibição dos canais de potássio pré-sinápticos. A dose varia entre 5 e 25mg, 3 a 4 vezes por dia. Os efeitos colaterais mais comuns são parestesias, insônia, dor epigástrica e convulsões.
         Geralmente, o quadro neurológico não é grave, porém há relatos de insuficiência respiratória. Nos casos com comportamento mais agressivo pode ser empregado prednisona, somente, ou em associação a azatioprina, plasmaférese ou imunoglobulina.
         Drogas que alteram a transmissão neuromuscular devem ser evitadas tanto em Miastenia Gravis, quanto em Eaton Lambert. Entre elas estão aminoglicosídeos, procainamida, quinidina, quinino, propranolol, bloqueadores de canais de cálcio e contrastes iodados.

Possíveis Complicações

          Falta de ar. Dificuldade de deglutição.

Prognóstico

           O prognóstico depende LEMS ocorre com ou sem câncer. Embora o câncer é uma ameaça mortal, podem ser tratados com radioterapia, cirurgia ou quimioterapia.
           Quando esses tratamentos são bem sucedidas e que o cancro entra em remissão, o LEMS geralmente também entra em remissão parcial ou completa.
           Os sintomas da síndrome de Lambert-Eaton pode melhorar com o tratamento do tumor e / ou suprimindo o sistema imunológico, mas nem todas as pessoas respondem bem ao tratamento.

Hepatite auto-imune

O que é?

          A hepatite autoimune (HAI) é uma doença causada por um distúrbio do sistema imunológico, que passa a reconhecer as células do fígado (principalmente hepatócitos) como estranhas. A partir daí o sistema imune desencadeia uma inflamação crônica, com destruição progressiva do fígado e a formação de cicatrizes (fibrose). Sem o tratamento adequado em tempo, isso pode levar a progressão para cirrose com suas complicações, como varizes de esôfago, ascite e encefalopatia hepática. Cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária, colangite autoimune e outras hepatopatias crônicas que têm bases imunológicas, mas que afetam primariamente as células dos canais biliares e têm resposta insatisfatória à corticoterapia são consideradas à parte.
          É uma doença relativamente rara, acometendo cerca de entre 11 e 17 pessoas a cada 100.000. É mais comum em mulheres (3,6 para cada homem) e pode se manifestar em qualquer grupo étnico e faixa etária. A apresentação (surgimento dos sintomas) é geralmente inespecífica, com fadiga, icterícia, náusea, dor abdominal e dores articulares, mas os quadro clínico inicial pode variar desde o paciente completamente assintomático (35-45% dos pacientes) até a falência hepática com encefalopatia. A presença ou ausência dos sintomas, no entanto, não significa necessariamente diferença no estágio da doença - o grau de inflamação do fígado e a presença ou não de cirrose independe da existência de sintomas, que surgirão eventualmente em 70% dos inicialmente assintomáticos.
         Antes do surgimento da corticoterapia (supressão do sistema imunológico com hormônio), estimava-se que 40% dos pacientes com doença severa faleciam em 6 meses, e os que sobreviviam além disso desenvolviam cirrose e suas complicações. Estudos posteriores demonstraram grande eficácia do tratamento com prednisona (corticosteróide) sozinha ou associada a azatioprina (outro imunossupressor), que se tornou o tratamento padrão para a doença. Novas drogas vêm surgindo como opções em pacientes que apresentam efeitos colaterais ou que não responderam ao tratamento anterior, permitindo o controle ainda melhor de casos anteriormente difíceis.

Fisiopatogenia (mecanismos pelos quais a doença se estabelece)

         Aceita-se que a HAI ocorra pela seguinte seqüência (simplificada):
  • anticorpos são substâncias produzidas pelo sistema imunológico para destruir vírus, bactérias e outros agentes nocivos;
  • para produzir anticorpos, o sistema imune precisa reconhecer esse agente nocivo como estranho ao organismo;
  • praticamente todas as substâncias têm moléculas em sua superfície que podem ser analisadas pelas nossas células do nosso sistema imune - essas moléculas são chamadas antígenos;
  • ao encontrar um antígeno, nosso sistema têm a capacidade de diferenciar o que é nosso e normal do que é estranho e deve ser eliminado;
  • algumas pessoas são portadoras de mutações que tornam o sistema imunológico menos preciso para diferenciar o que é ou não parte do organismo e/ou menos capaz de controlar o processo de ativação imunológica errônea;
  • nas doenças autoimunes, nosso sistema imunológico reconhece como antígenos (auto-antígenos) componentes de alguma de nossas células normais (no caso da HAI, componentes dos hepatócitos);
  • esse erro pode ser desencadeado por uma bactéria, substância tóxica ou vírus que têm, em sua superfície, um antígeno muito semelhante a algum componente de nossas células (o que acaba "confundindo" o sistema imunológico) - chamamos esses agentes de gatilhos;
  • após esse erro, o organismo desencadeia uma resposta inflamatória com envolvimento predominante das células chamadas linfócitos T, que passam a produzir anticorpos (auto-anticorpos) contra células específicas, levando a uma doença auto-imune;
  • por isso, geralmente o tratamento é baseado em suprimir o sistema imunológico, não tratando a causa da doença, uma vez que não temos ainda como alterar esse erro.
          A herança genética relacionada à HAI é, no entanto, complexa e envolve múltiplos genes. Como o risco de transmissão para a geração seguinte é muito pequeno, não se recomenda o rastreamento de marcadores genéticos em pacientes e familiares. Uma exceção é a doença genética chamada síndrome APECED (poliendocrinopatia autoimune - candidíase - distrofia ectodérmica), causada por uma mutação do gene AIRE (regulador autoimune).
 
Sintomas
 
         De modo semelhante a outras hepatites pode-se não apresentar sintomas ou iniciar com sintomas gerais, tais como:
 
  • fraqueza
  • cansaço fácil
  • perda de apetite
  • perda de peso
  • febre
  • dores no corpo e nas articulações (nas juntas).
 
          Ainda que inicialmente leves, esses sintomas podem se intensificar e, em cerca de 25% dos casos, serem acompanhados de
 
  • icterícia (cor amarelada da pele e mucosas)
  • fezes claras (cor de massa de vidraceiro)
  • urina escura (cor de Coca-Cola).
        
        São raros os casos sem sintomas e descobertos em exames de rotina, assim como aqueles de forma fulminante com evolução rápida para o coma hepático.
        Excesso de pelos, espinhas e alterações menstruais são comuns em mulheres jovens. Até metade dos pacientes tem outras doenças concomitantes como diabetes, doenças da tireóide, artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico.
 
Diagnóstico
 
           Não há um exame que confirme exatamente o diagnóstico. A partir de suspeita pelas queixas do paciente e pelo exame clínico, o médico solicita exames de sangue que visam excluir outras causas mais comuns de hepatite, como, por exemplo, as causadas por vírus.
Dentre os exames geralmente solicitados e que colaboram com o diagnóstico estão as transaminases, fosfatase alcalina, gamaglutamiltranspeptidase, proteinograma, fator antinuclear, anticorpos anti-músculo liso, anticorpos anti-rim-fígado.
          Ecografia e biópsia hepática (retirada com agulha de um pequeno fragmento do fígado) são frequentemente necessários para auxílio diagnóstico e avaliação da gravidade da doença. A biópsia pode ser também necessária para avaliar a resposta ao tratamento, após alguns meses ou anos.
 
Tratamento
 
          A maioria dos casos de hepatite autoimune é tratada com corticóides (assemelhados da cortisona) associados ou não a outros medicamentos, como a azatioprina.
          A prednisona, sozinha ou em associação com a azatioprina, produz remissão (normalização) clínica, bioquímica e histológica em 65% dos portadores de hepatite autoimune severa dentro de 2 anos. A expectativa de vida após tratamento em 10 e 20 anos são acima de 80% e é igual à da população da mesma região, idade e sexo. Portadores de doença com o mesmo grau de agressividade, se não tratados, têm uma mortalidade de 50% em 3 anos e 90% em 10 anos.
         O risco-benefício da corticoterapia (uso de corticosteróides, como a prednisona) em portadores de doença mais leve não é tão clara. A cirrose se desenvolve em 49% em 15 anos e a mortalidade em 10 anos é de 10%. Com essa evolução mais lenta, o custo-benefício do tratamento deve ser bem avaliado. Mudanças cosméticas (espinhas, aumento de peso) ocorrem em 80% dos pacientes em 1 ano de tratamento. O risco de câncer (fora do fígado) com a corticoterapia é 1,4 vezes o normal.
 
 Transplante hepático
 
         A HAI é responsável por 2% a 3% dos transplantes hepáticos em crianças e 4% a 6% em adultos nos EUA e Europa. As indicações para transplante são o início dos sintomas já com insuficiência hepática, cirrose com MELD ≥ 15 e presença de hepatocarcinoma dentro dos critérios para transplante. O transplante na HAI tem boas taxas de sucesso, com sobrevida em 5 e 10 anos de aproximadamente 75%.
         Como a causa da HAI está no sistema imunológico, não no fígado, existe a possibilidade de recidiva da doença no fígado transplantado, o que ocorre em cerca de 30% dos pacientes adultos e crianças em uma média de 4,6 anos. O diagnóstico é feito pelos achados histológicos, aumento de transaminases e gamaglobulinas, persistência dos autoanticorpos e a exclusão de outras causas. Geralmente o aumento da dose dos imunossupressores utilizados no pós transplante (prednisona e tacrolimus ou ciclosporina), a substituição dos mesmos, a reintrodução da azatioprina ou a introdução de mofetil micofenolato permitem a remissão da doença.
 
Perspectivas futuras
 
          À medida em que a nossa compreensão dos mecanismos da doença progride, descobrimos novos pontos no processo de fisiopatogenia (mecanismo da doença) da HAI onde seria possível interromper o seu curso, ou curá-la completamente, sem a necessidade de medicamentos para inibir todo o sistema imunológico, com todas as suas complicações. Atualmente, os tratamentos mais promissores nesse sentido são o transplante de células tronco autólogas e mesenquimais, transferência adotiva de células T regulatórias, manipulação de citocinas, supressão de genes, bloqueio de autoantígenos, imunossupressores recombinantes, esquemas orais de tolerância e vacinação de células T. Nenhum desses tratamentos está, no momento, em fases de uso clínico - somente após estudos bem conduzidos saberemos se são seguros e eficazes para uso na HAI. Só então novos estudos poderão determinar em que situações substituirão o tratamento atual.